Direção I
A interpretação com propriedade de um personagem começa com a inteira compreensão de seu caráter. Em Trabalhos de Amor Perdidos, Shakespeare didaticamente define a personalidade de cada um por intermédio de suas contrapartidas no texto. A partir dessa didática, pode-se ampliar esse conhecimento para criar o personagem com outros instrumentos – os noves tipos de personalidade, por exemplo.
1) Quem é o Rei de Navarra?
No texto: “o único herdeiro de quantas perfeições o homem se possa jactar
No eneagrama dos nove tipos de personalidade, o Rei é o número 5, ávido por conhecimento, morador da caverna. Posta-se em sua porta. Alegoricamente, quer levar seus companheiros para um internato. Ele quer preencher-se de cultura. O amor é uma poesia de que ele se nutre. Seus passos são meticulosos.
2) Quem é a princesa da França?
No texto: augusto modelo de beleza e cortesia. “Meu bom lorde Boyet, minha beleza, ainda que muito escassa, não precisa dos adornos de vossos elogios. A beleza é julgada pelos olhos de quem compra, jamais pelos reclamos convencionais do vendedor estulto. Tenho menos prazer em ver meus dotes louvados do que vós em ostentar argúcias, despendendo vosso engenho no elogio do meu”
No eneagrama: a Princesa é a número 6, atenta aos seus próprios interesses; da caverna, afasta-se ao passeio público apenas para consultar sobre os movimentos da vida. Inteligente, pesquisadora, sagaz, porém comedida.
Nota: a exaltação reiterada de sua beleza poderia supor que ela é o número 2, porém o desdém e a astúcia com que trata o Rei não é muito próprio do caráter erótico do 2.
3) Quem é Biron?
Desde logo, é o protagonista.
No texto: Nunca me foi dado conversar com ninguém de mais espírito sempre dentro dos lindes do decoro. Os olhos não cessavam de aprestar-lhe vista para o espírito: o que viam era por este logo aproveitado para assunto de alegre brincadeira, que a língua habilidosa, expositora de sua inteligência, apresentava com palavras tão justas e graciosas, que os velhos se detinham para ouvi-las e os moços se quedavam fascinados; tão doce e fluente a fala lhe safa.... Meu bom lorde Biron, já tinha ouvido muitas vezes falar de vós, bem antes de vos ter conhecido. A grande boca do mundo vos proclama zombeteiro de enormes cabedais e frases finas que atirais contra todos que vos caem ao alcance do espírito.
Harold Bloom: Biron é narcisista, triunfo erótico masculino. Charmoso, exuberante e desenvolto, como se projeta o próprio Shakespeare.
No eneagrama: é o típico número 7, articulado, estrategista, manipulador. Nada lhe escapa aos olhos.
4) Quem é Rosalina?
Desde logo, a protagonista.
No texto: Verdadeiro relógio da Alemanha, que em conserto está sempre se desmanchando e que horas não dá certas, salvo quando vigiado, para andar sempre no passo. E mais, ainda: a pior das três! aquela bicha branca, de sobrolhos de veludo, que, em vez de olhos, ostenta duas bolas de piche... Ela é o que ela mesma queira.
Harold Bloom: “implacável Rosalina”... A mais arisca das quatro nobres renitentes. Shakespeare teria se apaixonado por uma Dama Morena, personagem de Sonetos. Em Trabalhos de Amor Perdidos, ele a regasta com Rosalina cuja relação com Biron apresenta nuanças sadomasoquistas e atitudes ambivalentes.
No eneagrama, Rosalina é a número 7, também articulada, estrategista, manipuladora, nada lhe escapa à mente elétrica.
5) Quem é Longaville?
No texto: cavalheiro perfeito no consenso dos seus pares, conhecedor das artes e famoso na carreira das armas. Tudo quanto determina fazer, ele faz com capricho. A única jaça no fulgor de sua virtude, é certo espírito muito afiado, de par com uma vontade, digamos, rude; não poupa quem quer que dentro do âmbito lhe caia. Ele diz: eu coraria, se me visse alvo, assim, da zombaria. No final, Maria diz: é um bobo bem disposto. Tal como vós, que sois um pernilongo
No eneagrama, um Longaville número 8 cai muito bem. Físico e erótico. “Que louco não mostrara muito juízo, se perjurasse em troca do paraíso?” Tampouco nossos olhares.
6) Quem é Boyet?
Desde logo, é o profeta da peça.
No texto: vos escolhemos, visto conhecermos vosso merecimento, a fim de serdes o eloqüente patrono desta causa.
Harold Bloom: Boyet faz soar o tema de uma contra-espirituosidade feminina, tão sagaz que é capaz de destruir qualquer possibilidade de satisfação erótica.
No eneagrama: ele é o número 1, com a característica de escudeiro, protetor e guia. Senhoras! Ó senhoras! As armas! Preparai-vos! Vencedoras precisais ser do Amor que se aproxima para vos atacar com prosa e rima. A postos vossas graças! Ao combate! Ou fugi, se é que o medo vos abate.
7) Quem é Dumaine?
No texto: Dumaine, um moço muito bem dotado, amado por quem quer que ame a virtude, por ser de tanto espírito, que as coisas feias ele deixa aprazíveis, e de forma capaz de conquistar só por si mesma. Vi-o em casa do Duque de Alençon; muito pouco, em confronto com o muitíssimo que me foi dado ver, é quanto agora poderia eu dizer para elogiá-lo.
No eneagrama; o número 9, afável, conciliador, frágil: por duas vezes no texto, ele ameaça desmaiar diante de desafios..
8) Quem é Dom Armando?
No texto: um viajante de Espanha, refinado que a moda sempre traz em roda-viva e de frases o cérebro enxertado, a quem a fala vã causa deleite como a mais agradável harmonia, verniz por fora, apenas, mas aceite como árbitro em questiúnculas do dia. Esse Armando, da fábula nascido, vai contar-nos em termos rebuscados quanto a morena Espanha tem crescido nos feitos de seus homens olvidados.
No eneagrama: é o número 3, superficial, voltado para o sucesso imediato e fulgaz.
Quem é Dull?
No texto: Antônio Dull, pessoa de bom nome, boa conduta, bons costumes e grandemente estimado.
No eneagrama: é o número 9, pacífico e cumpridor de sua rotina.
9) Quem é Maria?
No texto: ela é a herdeira de Faulconbridge. Dama graciosa e linda!
No eneagrama: é a número 4, discreta e sabida, seu desdém é impiedoso:
MARIA — Nos tolos a tolice é mais discreta do que no sábio que virou pateta, porque este nada faz com maior gosto do que provar que é um bobo bem disposto.
Das quatro, dá esperança de corresponder o amor pretendido:
LONGAVILLE — E Maria, que diz?
MARIA — Após um ano, o luto tirarei por um fulano.
LONGAVILLE — Terei paciência, ainda que o tempo é longo.
MARIA — Tal como vós, que sois um pernilongo.
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10) Quem é Catarina?
No texto: de Alençon a herdeira, uma rosa que se embalava danosa.
No eneagrama: seria interessante interpetá-la sob o número 8, durona, talvez como precussora da megera domada. Seus conselhos a Dumaine são indicativos fortes de que eles formariam um casal em que ele seria o domado: Barba, saúde e honestidade; assim com triplo amor, alcançareis o fim.
DUMAINE — Posso dizer: agradecido, esposa?
CATARINA — Não, não! Em doze meses mais um dia não ouvirei nenhuma cortesia. Vinde com o rei: se me sobrar, acaso, muito amor, vosso amor terá bom azo.
DUMAINE — Serei fiel; assumo o compromisso.
CATARINA — Não jureis; perjurais sem dar por isso.
11) Quem é Moth?
No texto: Jovem de engenho agudo!
No eneagrama: aspirante a número 7, bem articulado e manipulador.
12) Quem é Costard?
Desde logo, é o bobo da corte.
No texto: bobo que te faz rir.. essa alma iletrada e ignorante... esse vaso de pouco fundo.
No eneagrama: é o número 9, no seu estilo glutão.
13) Quem é Jaqueneta?
Desde logo, foi provavelmente inspirada na protagonista de Decameron, de Bocage, sobretudo na volúpia e no ardor que provoca nos homens.
No texto: uma rapariga... uma filha de nossa avó Eva, uma fêmea, ou, por maneira mais adequada ao teu entendimento, uma mulher... fraco vaso.
No eneagrama; é a número 3, erótica, sensual e conquistadora.
14) Quem é Dull?
No texto: Eu mesmo represento sua pessoa, por ser o oficial de justiça de Sua Graça.
No eneagrama: é o número 8, físico na coragem.