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Monday, July 21, 2008

Almas: O Sucesso da Temporada


Gracino Ali Somar

Almas Suspeitosas, uma comédia ode fé demais não cheira bem, completou um mês em cartaz no Teatro do Centro da Terra com sucesso de público e crítica. Desde o surpreendente número (2.555) de internautas que acessaram no site do Youtube o clip da peça, já se percebia essa tendência de empatia de todos com o “espírito” de Almas. A platéia sai do espetáculo feliz e às gargalhadas com a lembrança das gags e interpretações imperdíveis de um elenco de gente realmente de teatro.

Yunes Chami, que celebra nessa temporada sua participação em 51 espetáculos teatrais, dá um show de comédia na interpretação de um advogado gaúcho de retórica de botequim e repertório de palavras tiradas do fundo do dicionário, sobretudo aquelas começadas por X e Ch.

Hermano Leitão, também autor e diretor de Almas, diverte o público com seu engraçado Padre Antonio, personagem totalmente sem personalidade e cheio de gags. Seus ui, ui, uis, sua forma invertida de fazer o sinal da cruz, seu andar saltitante e a falta de percepção do padre para os fatos que acontecem ao seu redor rendem gargalhadas durante toda a peça.

Alexandre Ferreira é outro que faz o público chorar de rir. Construiu um Pastor Evangélico que usa do entusiasmo eufórico para disfarçar sua pouca intimidade com a bíblia – suas citações espirituais não têm nada a ver com os textos bíblicos, parecem mais frases de agenda de brinde ou de calendário de oficina mecânica. O senhor Ferreira é um ator de jogo cênico formidável.

Neiva Maria enfeitiça a platéia com sua personagem macumbeira. Em plena cena, a mãe de santo faz um “trabalho” para aquebrantar o pastor, e leva o público ao delírio. Talvez seja a cena mais engraçada do espetáculo. De qualquer maneira a presença da senhora Maria em cena já é um prazer incontestável de tanta energia que essa atriz doa para todos.

Dill Pires diverte o público com o nervosinho do Valtinho, construído de maneira perfeita. Do começo ao fim da peça, o personagem se sustenta com seu caráter do tipo certinho, organizadinho, crítico. Suas reações para cada um com quem contracena são hilárias e adequadas. Percebe-se que o senhor Pires tem o Valtinho na mão e há também uma confluência de honestidade e de generosidade na sua interpretação.

Mário de la Rosa, ator que traz na sua verve a qualidade de também ser dramaturgo, empresta ao seu personagem, Dr. Almeidinha, as nuances peculiares de um caráter inseguro, amedrontado e que vive às espreitas com os caboclos que se encostam em sua esposa, uma mãe de santo. O senhor la Rosa é realmente uma figura encantadora e nesse espetáculo dá uma aula de interpretação onde a sutileza ou o menos é muito mais.

Letícia Lavel tira de letra a dificílima personagem de uma juíza judia que tem uma maneira muito estranha de processar os fatos. A senhora Lavel entendeu a maneira de avaliação torta ou contraditória dessa magistrada para registrar os acontecimentos proposta no texto e aliou isso a várias gags. O figurino e a maquiagem a la Cleópatra também compõem a cômica juíza.

Daniela Dams ilumina o palco com seu talento na interpretação de dona Tereza e com sua beleza radiante – ouvem-se até os suspiros da platéia quando ela entra em cena. Como protagonista da peça, ela se comporta como se fosse apenas mais uma no enredo, mas, depois do espetáculo, as gags dessa figura bonita são imediatamente imitadas, como se inconscientemente percebessem sua dimensão.

Eiki Sasaki interpreta o senhor Kiko, um ser surreal, inesperado, engraçadíssimo. Ele encarna o típico funcionário público mal humorado e pronto para destratar aqueles que estão sob suas vistas. Seu bordão também pega e é motivo de repetição imediata.

Não é por acaso que Almas Suspeitosas é o sucesso da temporada. Um bom texto, uma boa direção, um elenco extraordinário e uma produção caprichada só podiam resultar nessa grande empatia com o público. Quem for ver, viverá as emoções de uma peça onde fé demais não cheira bem.